Da Ficção Científica à Inovação: O Valor da Imaginação Estratégica no Foresight

Por Elaine C. Marcial[1]


[1] Elaine C. Marcial. Sócia fundadora da SocialPort, é doutora em Ciência da Informação pela UnB. Professora da Universidade Positivo e pesquisadora a Escola de Guerra Naval. Atua na área de foresight desde 1996 e foi agraciada com as medalhas Honra ao Mérito de Defesa, Ordem do Mérito Militar no grau de Cavaleiro e Medalha Exército Brasileiro.

Vive-se um paradoxo do ceticismo em relação a implantação do foresight nas organizações. Enquanto as metodologias do foresight e seus cenários exploratórios são por vezes criticados por sua suposta falta de rigor científico, celebra-se as inovações bilionárias que nascem da mesma fonte: a imaginação criativa, popularizada pela ficção científica. Se narrativas fantásticas, livres das amarras da realidade presente, tem servido de inspiração direta para algumas das tecnologias mais disruptivas do nosso tempo e desenhado o futuro da tecnologia por que desvalorizar uma disciplina que busca fazer o mesmo de forma estruturada?

A influência da ficção científica é tão concreta que hoje é chamada de Science Fiction Prototyping. Isso porque, essa prática mostra como narrativas especulativas funcionam como protótipos e um campo de testes para ideias muito antes de serem tecnicamente viáveis.

O uso do Science Fiction Prototyping pode ser observado em declarações de gigantes da tecnologia. A influência de “Star Trek” é particularmente impressionante e serviu como berço para tecnologias que usamos hoje em dia. Amit Singhal, ex-chefe de busca do Google, declarou que seu objetivo com a criação do Google Assistant era construir o computador da nave Enterprise. A série também inspirou Jeff Bezos[1], a criar a Alexa e o Echo. O primeiro celular com flip, o Motorola StarTAC, foi diretamente inspirado no “Comunicador” de “Star Trek”, segundo declaração de Martin Cooper[2], o engenheiro da Motorola. Outro exemplo é o Google Translate, que avança na direção de se transformar no “Tradutor Universal” utilizado em “Star Trek”.

Steve Perlman, um cientista da Apple, revelou que a ideia para o programa multimídia QuickTime surgiu após assistir a um episódio de “Star Trek: A Próxima Geração”[3]. Elon Musk em várias entrevistas e podcast cita o livro “O guia do mochileiro das galáxias” como fonte de inspiração. Também afirma ter se inspirado em outros autores de ficção científica como Isaac Asimov, Robert A. Heinlein, e Arthur C. Clarke na criação da Tesla[4]. O Taser, a arma de eletrochoque não letal, hoje amplamente utilizada por forças de segurança, foi diretamente inspirada pelo livro de aventura e ficção científica do início do século XX, “Tom Swift and His Electric Rifle, de Victor Appleton. O nome “Taser” é, na verdade, um acrônimo para “Thomas A. Swift’s Electric Rifle”[5].

O inventor Simon Lake, um dos pioneiros do submarino moderno, admitiu ter sido inspirado pelo livro “Vinte Mil Léguas Submarinas”[6]. O livro de Júlio Verne, de 1870, descrevia o Nautilus, um submarino avançado, movido a eletricidade e capaz de longas jornadas subaquáticas. Essa obra-prima, não apenas inspirou o fascínio pela exploração submarina, mas também antecipou a propulsão elétrica, que se tornaria uma realidade décadas depois.

Se por um lado a ficção científica oferece inspirações fortuitas, mesmo quando se baseia em teorias científicas, o foresight aplica métodos científicos e estrutura ao processo criativo. Destaca-se que o foresight transforma o olhar para o futuro em uma disciplina sistemática, uma verdadeira engenharia por trás da visão, ao permitir que as organizações identifiquem sinais de mudança, analisem impactos e preparem-se de forma proativa.

As evidências, como os casos da Apple, Google, Amazon e tantos outros, nos mostram que a imaginação é um ativo estratégico das organizações. Se narrativas sem compromisso com a viabilidade imediata serviram como blueprints para as empresas mais transformadoras do mundo, a crítica ao foresight perde sua força. Desvalorizar o foresight por sua natureza criativa é ignorar o motor das maiores inovações tecnológicas.

Por fim, cabe destacar que o Prêmio Nobel de Economia deste ano foi para Joel Mokyr, Philippe Aghion e Peter Howitt, pesquisadores que explicaram o crescimento econômico impulsionado pela inovação[7].

Assim, em vez de esperar passivamente pelo próximo “blockbuster” dos cinemas inspirar uma ideia, as organizações que desejam liderar o futuro devem praticar o foresight, de forma deliberada e sistemática, transformando a imaginação em sua vantagem competitiva mais poderosa.


[1] How the Star Trek saga blazed new trails for space exploration — with a hand from superfan Jeff Bezos. Disponível em: https://www.geekwire.com/2022/how-the-star-trek-saga-blazed-new-trails-for-space-exploration-with-a-hand-from-superfan-jeff-bezos/.

[2] How Startrek inspired an Innovation – your Cell Phone. Disponível em: https://www.destination-innovation.com/how-startrek-inspired-an-innovation-your-cell-phone/#:~:text=Lembre%2Dse%20de%20que%2C%20em,Paul%20Sloane%2C%20publicado%20pela%20Pearson.

[3] Ackerman, Evan. “Ten Inventions Inspired by Science Fiction”. Smithsonian Magazine, 2012. Disponível em: https://www.smithsonianmag.com/science-nature/ten-inventions-inspired-by-science-fiction-128080674/.

[4] Heimstad, D. “How Elon Musk is inspired by the Science Fiction genre”. Medium, 2018. Disponível em: https://medium.com/@dheimstad/how-elon-musk-is-inspired-by-the-science-fiction-genre-5a032fc40af6.

[5] Estes 10 livros previram (ou criaram) o futuro. Disponível em: https://www.linkedin.com/pulse/estes-10-livros-previram-ou-criaram-o-futuro-eduardo-gadens/

[6] Submarino experimental de 116 anos é encontrado nos Estados Unidos. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/ciencia/noticia/2023/04/submarino-experimental-de-116-anos-e-encontrado-nos-estados-unidos.ghtml.

[7] Nobel de economia: Conheça trio que levou prêmio com estudos sobre inovação. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/nobel-de-economia-conheca-trio-que-levou-premio-com-estudos-sobre-inovacao/.

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